sábado, 8 de junho de 2013

Teor de Carbono em Combustíveis da Biomassa


Introdução
Este trabalho faz parte do levantamento de dados para a revisão do Balanço de Carbono (objeto do Termo de Parceria 13.0020.00/2005) firmado entre a Organização Social Economia e Energia – e&e – OSCIP e o Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT.
O Balanço de Carbono na área de Energia foi elaborado a partir dos dados energéticos do Balanço Energético BEN/MME e de coeficientes de emissão usados para apuração do inventário das emissões que contribuem para o efeito estufa na área energética.
O Brasil é parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas comprometendo-se a efetuar periodicamente um levantamento das emissões causadoras do efeito estufa. A Organização e&e e o MCT firmaram um Termo de Parceria (Nº 13.0020.00/2005) onde, através do Balanço de Carbono, pode-se localizar eventuais falhas na apuração dessas emissões que periodicamente são inventariadas, sendo os resultados incluídos na Declaração que o País apresenta à Convenção.
No Brasil a biomassa participa de forma significativa na matriz energética. As emissões de CO2 provenientes da biomassa não são contabilizadas[1] como formadoras do efeito estufa já que em sua produção este gás é extraído da atmosfera. Contudo, a contabilidade dos gases emitidos pela biomassa é apurada já que outros gases, como o metano, são incluídos no inventário. Por outro lado, a compreensão dos mecanismos de reciclagem do carbono na atmosfera através da biomassa é importante para a compreensão do fenômeno do aquecimento global.
A importância da biomassa na matriz energética brasileira torna necessário um tratamento mais cuidadoso das emissões dela provenientes, já que a abordagem padrão definida pelo IPCC (International Panel on Climate Change) está mais dirigida a perfis energéticos onde a biomassa é menos importante. Apenas para realçar a relevância do assunto, vale lembrar que quase um terço de nossa energia primária provêm da biomassa e os produtos da cana (mesmo não considerando pontas e palha) já representam o segundo energético primário em termos de oferta bruta no País.
O objetivo deste trabalho é apurar os coeficientes mais adequados para exprimir, para os principais combustíveis com origem na biomassa, o teor de carbono por energia contida no combustível (medida pelo poder calorífico inferior) expresso em tonelada de carbono por Tera-Joule (tC/TJ). Devido à diversidade de processos de produção desses combustíveis, as informações disponíveis na literatura técnica nem sempre apresentam o grau de coerência necessário à produção de dados para as Comunicações Nacionais à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. Procuramos partir, em cada caso, de informações de uma única fonte, baseadas em trabalhos de laboratório com a suficiente especificação das amostras e dos métodos utilizados, cotejando os resultados com os fornecidos pelo IPCC e investigando as eventuais discrepâncias, inclusive com a realização de ensaios e de medições.
a) Lenha.
A lenha é composta majoritariamente por celulose, hemicelulose e lignina, em proporções variáveis conforme a espécie vegetal, e substâncias menores, como resinas, nutrientes da planta e outras. É natural, pois, encontrar ampla variação entre os dados de diferentes fontes de informação sobre suas características físico-químicas, em particular os teores de carbono e de hidrogênio e os poderes caloríficos superior e inferior que entram na avaliação do coeficiente de emissão de gases de efeito estufa, conforme a metodologia adotada pelo IPCC.
Pesquisa em artigos publicados na Internet mostrou valores do poder calorífico variando de 4.700 (eucalipto, acácia, gravílea) a 6.870 kcal/kg (mimosa), madeiras estas de uso industrial, sem menção explícita do teor de umidade; para a lenha de uso residencial comum não há informações que permitam a avaliação do teor de carbono e do poder calorífico.
De acordo com o Balanço Energético Nacional/2004, cerca de 63% da lenha são destinados à transformação em carvão vegetal e ao uso como energético nas indústrias de alimentos e bebidas, papel e celulose e cerâmica; a espécie mais usada para essas finalidades é o eucalipto, extensamente estudado por empresas siderúrgicas de Minas Gerais (Acesita, Belgo-Mineira e Mannesmann, entre outras) e pela Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC. A Série de Publicações Técnicas do CETEC contém importantes informações sobre o processo de produção de carvão vegetal, sendo praticamente a única fonte pública de dados sobre as propriedades físico-químicas do eucalipto. Assim, o coeficiente de emissão para o eucalipto pode ser considerado como representativo do uso energético da lenha.
O conhecimento do conteúdo de carbono, hidrogênio e oxigênio de um combustível e de seu poder calorífico superior permite calcular o poder calorífico inferior. Este é base para os valores recomendados pelo IPCC dos coeficientes de teor de carbono por energia e é também utilizado atualmente pelo BEN/MME para expressar a energia em tonelada equivalente de petróleo (1 tep = 10000 Mcal).
O método de medição do poder calorífico baseia-se, no balanço de energia, na combustão completa da amostra, em geral com oxigênio puro, a volume constante, e na transferência de calor para a água do calorímetro. A diferenciação entre o poder calorífico superior (PCS) e o inferior (PCI) resulta da consideração do estado final da mistura de gases de combustão e do vapor d´água que se forma na queima de substâncias hidrogenadas[2]. Se o estado de equilíbrio térmico dos produtos da combustão com a água do calorímetro ocorre sem a condensação do vapor d´água, o poder calorífico medido é o inferior; se o vapor se condensa e a mistura é resfriada à temperatura inicial (geralmente a do ambiente, tomada como 25°C), maior quantidade de calor é cedida ao calorímetro e o resultado é o poder calorífico superior. A equação que relaciona os dois poderes caloríficos é:
PCS = PCI + m(c ΔT + L),                    (1)
sendo m a massa da água de combustão, ΔT a diferença de temperatura entre o ambiente e a temperatura de equilíbrio antes da condensação e L o calor latente de condensação do vapor d´água.
O poder calorífico da lenha de eucalipto foi obtido das seguintes fontes de informação:
-          “Fonte primária de energia – madeira combustível”, Martins, H; SPT 01, CETEC, 1980 – PCS = 4.700 kcal/kg;
-          “State of the Art on Charcoal Production in Brazil”, Almeida, M. R. et al, Florestal Acesita, 1982 – PCS = 4.200 kcal/kg (calculado pelo balanço de massa na carbonização);
-           “Produção de energia do fuste de Eucalyptus grandis”, Vale, A. T et al, UnB, 1997 – PCS = 4.640 kcal/kg;
-          “Principles of World Science”, Côté, N. A et al, Springer Verlag, 1962 – PCS = 4.500 kcal/kg. 
O valor médio desses dados é PCS = 4.510 ± 220 kcal/kg.
O teor de hidrogênio da madeira é mostrado na tabela abaixo:
 Tabela 1 – Características físico-químicas da lenha seca de Eucalyptus Grandis (SPT-008)
Constituinte
Carbono
Oxigênio
Hidrogênio
Teor % em massa
50
44
6
Cada grama de hidrogênio gera 9 g de água; assim, a combustão de 60g contidas em 1 kg da lenha gera 540g de água. O PCI é:
            PCI = PCS – massa de água x (1 kcal/kg.°C * 75°C + 540 kcal/kg), no caso:
            PCI = 4.510 – 0,540 x 615 = 4.178 kcal/kg.[3]   
O coeficiente de emissão da lenha calculado com esses dados é:
      fc = 0,500kgc /(4.178 kcal/kg * 4,186 kJ/kcal) = (0,495 / 18,3 * 106) kgc / MJ          = 28,6 tC /TJ.
Este resultado difere em menos de 5% do coeficiente recomendado pelo IPCC.
b) Carvão vegetal.
A revisão do balanço de carbono para o carvão vegetal visa a proposição de um conjunto coerente de coeficientes de emissão a ser usado em trabalhos futuros. A produção do carvão vegetal deixa, como sub-produtos, o alcatrão insolúvel que pode ser recuperado em condições econômicas para ser usado como combustível, o líquido pirolenhoso, contendo água, alcatrão solúvel, ácido acético, metanol e gases. As proporções das substâncias resultantes da pirólise variam com a qualidade da lenha e com a temperatura de pirólise. O alcatrão é uma substância mal caracterizada, fato que, aliado à variação de sua composição com a temperatura de carbonização, dificulta a avaliação de sua contribuição para o fator de emissão global.
As características das substâncias serão avaliadas a 400°C, temperatura típica da pirólise praticada comercialmente no Brasil. A proporção das várias substâncias pode ser descrita com boa aproximação pela equação de reação[4]:
 2C42 H66 O28          3 C16 H10 O2 + 28 H2 O + 5 CO2 + 3 CO + C28 H46 O9.
Os teores dos elementos de interesse calculados pela equação acima são satisfatoriamente próximos daqueles citados na SPT-008 do CETEC para a lenha seca, como se mostra:
Tabela 2 – Composição elementar da lenha de E. grandis.
Elemento
Carbono
Oxigênio
Hidrogênio
Equação
0,495
0,440
0,064
SPT 008
0,500
0,433
0,061
Observe-se que a fase de aquecimento da lenha até a temperatura de pirólise não está incluída na equação. Na prática, uma fração da lenha carregada no forno de carbonização, estimada em 5% em massa, é queimada com o forno aberto, em condições atmosféricas, emitindo predominantemente CO2 calculável com o coeficiente apropriado[5]. O uso da equação acima, juntamente com os poderes caloríficos obtidos das Publicações Técnicas, permite calcular os coeficientes de emissão da lenha, do carvão vegetal e dos efluentes líquidos e gasosos.
Tabela 3 –
Dados para o cálculo de coeficientes de emissão para lenha e carvão vegetal.
 
Lenha
Carvão Vegetal
Água
CO2
CO
Alcatrão + pirolenhoso
Massa – g
2036
702
504
220
84
526
M. carbono – g
1008
576
-
60
36
336
Teor C
0,496
0,821
-
0,273
0,429
0,639
PCS – kcal/kg
4510
6940
-
0
2350
6610 (alcatrão)
PCI
4178
6750
-
0
2350
6390(alcatrão)
Coef.Emis.
tC/TJ
28,6
29,1
-
0
43,6
23,9
c) Produtos da cana de açúcar:
O coeficiente de emissão para o álcool calculado pela fórmula química (18,8 tC/TJ) difere pouco do apurado no balanço das Emissões (18,5 tC/TJ), sugerindo que a contabilidade do carbono nos insumos e produtos está correta. O coeficiente usado no inventário, no entanto, é bastante inferior a este valor (14,81 tC/TJ) já que levou em conta apenas o teor de CO2 emitido pelos veículos.
O balanço consolidado para destilarias (tabela 16, p. 36 do Relatório Final) considera como insumos o caldo de cana, o melaço e outras recuperações, e como produtos o álcool anidro e o hidratado. O bagaço, que corresponde à parte fibrosa da cana, não é contabilizado no sistema destilaria. O melaço é subproduto da indústria de açúcar, o que mostra ter havido alguma dificuldade em tratar a indústria sucroalcooleira como sistema. Não sendo nosso propósito, nesta fase, incluir a produção de açúcar, procuramos tratar apenas da produção de álcool, considerando como insumo a cana (açúcares fermentáveis - representados pela sacarose - fibras e água); como produto e co-produto aparecem o álcool (em anidro equivalente) e o bagaço excedente; os rejeitos são os gases de combustão, representados pelo CO2, o gás de fermentação (CO2 de fato) e o glicerol, considerado como representante dos compostos de carbono rejeitados como vinhoto. A tabela a seguir mostra o fluxo de compostos de carbono na destilaria, os teores de carbono das substâncias consideradas e o balanço de carbono.
Tabela 4 – Dados para o balanço de carbono de destilaria de álcool.
 
Componente
t/tCana
Teor de C
Massa C
PCI TJ/t
f C
 
Insumos
Sacarose
0,1401
0,4214
- 0,059
 
 
Fibras
0,1401
0,4432
- 0,062
 
 
 
Produtos
Álcool
0,060
0,522
+ 0,031
0,0278
18,8
Bagaço exc.
0,0222
0,443
+ 0,014
 0,0183*
24,2
 
Rejeitos
CO2 comb.
0,190
0,273
+ 0,052
 
 
CO2 fermen.
0,073
0,273
+ 0,020
 
 
Glicerol vinh.
0,0053
0,3914
+ 0,002
 
 
                     Σ MC =- 0,001 ( 0,8 %)     * base seca 
1 – “Balanço das emissões de gases do efeito estufa na produção e uso do etanol no Brasil” SMA/SP – 2004
2 – “Análise Exergética da Produção de Etanol da Cana-de-Açúcar”, Esteves, O.A. – Diss. Mestrado em Planejamento Energético – CCTN/UFMG-1995.
3 –“Tratamento de Efluentes na Indústria Sucroalcooleira”, CTC Copersucar-1995.
4 – Fórmulas: Sacarose C12 H22 O11 – Glicerol C3 H8 O3
Com o tratamento descrito, o balanço de carbono para destilaria de álcool fecha com desvio relativo inferior a 1%.
Conclusão
Tabela 4  - (Resumo) Comparação entre os valores recomendados pelo IPCC e os propostos no presente trabalho em tC/TJ
 
Este Trabalho
IPCC
Trabalho de Referência COPPE/MCT
Lenha
28,6
29,9
29,9
Carvão Vegetal
29,1
29,9
29,9
Alcatrão + pirolenhoso
23,9
-
-
Álcool etílico
18,8
-
14,81
Bagaço Excedente
24,2
29,9
29,9


[1] Naturalmente isto não inclui a eventual destruição do estoque de biomassa acumulada em florestas nativas.
[2] A água geralmente contida na lenha não entra nesse cálculo, devendo ser eliminada pela secagem preliminar da amostra em estufa ou ser excluída da massa da amostra.
[3] O Balanço Energético Nacional/2001 registra PCI = 3.100 kcal/kg para lenha comercial com 25% de umidade.
[4] A SPT-008 menciona como origem da informação o trabalho de Klar, M Technologie de la distillation du bois”, Librairie Poly Technique, Paris, 1925.
[5] “Emissões de gases de efeito estufa na produção e no uso do carvão vegetal”, Ferreira, O.C -E&E, nº 20, 2000.

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